logo IMeN

Desnutrição no paciente com insuficiência cardíaca

Fisioterapeuta Marisa de Moraes Regenga

Nos pacientes portadores de ICC, a presença de caquexia geralmente está associada com a Classe Funcional III e IV (NYHA) (4). Estudos sugerem que a sua ocorrência é decorrente de alterações imunológicas e metabólicas multifatoriais, seguidas de complexas alterações anabólico-catabólicas dos diversos sistemas, levando a exacerbada perda de peso, relacionando-se com grande aumento da mortalidade . A função ventricular , demonstrada pela fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo não está diretamente relacionada com a sua ocorrência (5).
A caquexia cardíaca ocorre quando o paciente apresenta perda de cerca de 22% a 27% da gordura corpórea nos homens e 15% a 29% nas mulheres ou quando a porcentagem do peso ideal for menor que 80% a 90% (6,7), diminuição de 7,5% do peso e comparação com o valor obtido anteriormente, desde que não seja em estado edematoso, também pode sugerir a sua ocorrência (8).
Muitos fatores podem estar envolvidos na fisiopatologia da caquexia cardíaca:
a. A diminuição crônica do fluxo sangüíneo, decorrente da ativação neurohumoral, com exacerbação da função simpática e consequente aumento da concentração plasmática de catecolaminas e cortisol, leva ao desenvolvimento de hipoxia tecidual predispondo a menor eficiência metabólica privando os tecidos dos substratos energéticos necessários para a modificação e formação protéica;
b. A imobilidade dos indivíduos decorrente da dispnéia e intolerância aos esforços, favorece a atrofia muscular de desuso e o descondicionamento, o que contribui para a perda da massa muscular pela redução da síntese protéica da musculatura esquelética;
c. A anorexia, como resultado da congestão hepática, hipóxia, toxicidade por drogas e outros, resulta em uma ingestão insuficiente de nutrientes para manter o crescimento tecidual adequado.
d. Diversas alterações imunológicas a nível celular podem estar envolvidas no desenvolvimento da caquexia cardíaca. Os níveis plasmáticos do Fator de Necrose Tumoral Alfa (TNFµ), Interleucina-1 (IL-1), Interleucina-6 (IL-6) e Interferon-g encontram-se bastante aumentados nos indivíduos caquéticos, Tabela I, sendo consideradas as principais citocinas responsáveis pelo desenvolvimento de catabolismo (9). A presença do TNFµ nas células musculares exacerba a diminuição da massa muscular, enquanto que nas células cerebrais causa profunda anorexia (10).
Sabe-se que o TNFµ pode induzir o processo de morte celular programada (apoptose) nos miócitos, nas células miocárdicas e endoteliais (11), além de induzir ao re-arranjo da arquitetura do endotélio vascular, aumentar a permeabilidade a albumina e água, estimular a ativação antigênica e a produção de IL-1 e diminuir a meia vida do principal fator relaxante derivado do endotélio, o óxido nítrico. (12). Estas alterações implicam em grande alteração da resposta vasodilatadora endotelial, intensificando a diminuição do fluxo sanguíneo periférico (11).

Tabela I - Concentração Plasmática de Citocinas em Indivíduos
Caquéticos e não Caquéticos Portadores de ICC - Modificado (13)

  TNFµ

pg.ml-1

IL-6

pg.ml-1

IL-1

pg.ml-1

ICC sem Caquexia (n= 36)

6.9 ± 0.8

2.81 ± 0.42

0.34 ± 0.07

ICC com Caquexia (n=18)

14.6 ± 2.8

3.92 ± 0.70

0.4 ± 0.09

A diminuição da massa muscular dos membros inferiores (MMII) é o evento mais precoce dos indivíduos com ICC, nos indivíduos que não apresentam caquexia esta perda é substituída por aumento do tecido adiposo localizado nos MMII. No entanto, na caquexia cardíaca, irá ocorrer perda concomitante de massa muscular nos MMII e dos membros superiores (MMSS) além de grande diminuição da massa gordurosa, da massa e da densidade óssea ( osteoporose) (13), além de redução de cerca de 30% das reservas orgânicas de potássio (14), consequente à ativação neuro-humoral e inflamatória, Tabela II.

Tabela II - Alteração da Composição Corpórea em Indivíduos Caquéticos
Induzidas por Mediadores Inflamatórios e Neuro-humorais.

Transformação OrgânicaMediador

Diminuição do Tecido Muscular

TNFµ , IL-1

Diminuição do Tecido Adiposo

TNFµ , IL-1

Diminuição da Massa Óssea

IL-6

Aumento da Lipólise

Catecolaminas e Cortisol

Aumento da Degradação Protéica

Catecolaminas e Cortisol

Já foi previamente demonstrada a ocorrência de aumento do metabolismo basal nos portadores de ICC, esse aumento pode ocorrer como decorrência do aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdico, do aumento do trabalho respiratório, em situações de congestão pulmonar, ou da maior estimulação simpática.
Os indivíduos que apresentam insuficiência renal associada à cardiopatia, em geral, tem gasto energético basal similar ao dos indivíduos normais, no entanto, alguns trabalhos demonstraram que nos pacientes submetidos à hemodiálie e/ou diálise peritoneal o procedimento dialítico pode levar a perda de alguns substratos energéticos como aminoácidos, peptídeos, metabólitos da glicose ( piruvato e lactato) e caso a diálise não tenha suplementação de glicose, também da glicose; além do aumento da degradação protéica que pode ocorrer imediatamente após a finalização dos processos dialíticos (15).

Bibliografia:

1. Poehlman ET. Energy expenditure and requirements in aging humans. J Nutr. 1992, 122:2057-2065.
2. Poehlman ET. Regulation of energy expenditure in aging humans. J Am. Geriat. Soc. 1993,41:552-559.
3. Bistrian, BR; Blackburn, GL; Vitale J et al. Prevalence of malnutrition in general medical patients. JAMA, 235:1567-1570, 1976.
4. Poehlman ET. Clinical Trials for the treatment of secondary wasting and cachexia. J Nutr. 1999,129:260S-263S.
5. Stefan DA. Insights into the pathogenesis of chronic heart failure: immune activation and caquexia. Curr Opin Cardiol, 14:211-216,1999
6. Carr JG, Stevenson LW, Walden JA et al. Prevalence and hemodynamic correlates of malnutrition in severe congestive heart failure secondary to ischemic or idiopathic dilated cardiomyopathy. Am J Cardiol, 63:709-713,1989.
7. Otaki M. Surgical treatment of patients with cardiac caquexia:an analysis of factors affecting operative mortality. Chest,105:1347-1351,1994.
8. Stefan DA. Cardiac caquexia. A syndrome with impaired survival and immune and neuroendocrine activation. Chest,115:836-847,1999.
9. Torre-Amione G, Kapadia S, Lee J et al. Expression and functional significance of tumor necrosis factor receptors in human myocardium. Circulation, 92:1487-1493;1995
10. Tracey KJ, Morgello S, Koplin B et al. Metabolic effects of cachectin/tumor necrosis factor are mofified by site of production : cachectin/tumor necrosis factor -secreting tumor in skeletal muscle induces chronic cachexia, while implantation in brain induces predominantly acute anorexia. J Clin Invest, 86:2014-2024;1990.
11. Anker SD, Volterrani M, Egerer KR et al. Tumor necrosis factor alpha as a predictor of impaired peak leg blood flow in patients with chronic heart failure. Q J Med, 91:199-203;1998
12. Tracey KJ, Cerami A. Tumor necrosis factor, other cytokines and disease. Ann Rev Cell Biol. 10:317-343;1994.
13. Anker SD, Ponikowski AL, Clark F et al. Cytokinae and neurohormones relating to body composition alterations in the wasting syndrome of chronic heart failure. Eur Heart J, 20:683-693;1999.
14. Anker SD, Swan JW, Volterrani M et al. The influence of muscle mass, strength, fatigability and bloof low on exercise capacity in cachetic and non-cachetic patients with chronic heart failure. Eur Heart J, 18:259-269;1997.
15. Kopple JD, Swendseid ME, Shinaberger JH et al. The free and bound amino acids removed by hemodialysis. Trans Amer Soc Artif Intern Organs. 1973, 19:309-313.
16. McArdle WD, Katch FI, Katch VL. Nutrition : the base for human performance. In: Exercise Physiology . Energy, Nutrition and Humam Performance . 4th ed. Willians & Willians , Baltimore , 1996, p 5-79.
17. Ahlborg G , Felig P. Lactate and glucose exchange across the forearms, legs and splanchnic bed during and after prolonged exercise . J Clin Invest. 1982, 69:45.
18. O'Brien MJ. Carbohydrate dependence during marathon runing . Med Sci Sports Exerc. 1988, 25:1009.
19. Wagenmakers AJM. Carbohydrate supplementation, glycogen depletion, and amino acid metabolism. Am J Physiol. 1991, 260:E883.
20. Henriksson J. The possible role of skeletal muscle in the adaptation to periods of energy deficiency. Eur. J Clin Nutr. 1990,44:S55-64.
21. Wendt IR, Gibbs CL. Energy production of rat extensor digitorium longus muscle. Am J Physiol. 1973,224:1081-86.
22. Suzuki Y. Mechanical efficiency of fast and slow- twitch muscle fibers in man during cycling. J Appl Physiol. 1979,47:263-267.
23. Regenga MM. Fisioterapia X Desnutrição: Custo-Benefício. In: Regenga MM. Fisioterapia em cardiologia da UTI à reabilitação. 1ªed. São Paulo, Roca, 2000.p367.
24. Shephard R. Physical activity , training and the immune response. 1ªed. Cooper,1997.
25. Knobel E. Condutas no paciente grave. 2ªed. São Paulo, Atheneu,1999.p.604
26. Bruunsgaard H, Galbo H, Halkjager K et al. Exercise-induced increase in interleukin-6 is related to muscle damage. J Physiol, 499:833-41;1997.
27. Andres R, Cader C, Zierlen KL. The quantitative minor role of carbohydrate in oxidative metabolism by skeletal muscle in intact man in the basal state: Measurements of oxygen and glucose uptake and carbon dioxide and lactate formation in the forearm. J. Clin. Invest., 35:671-682,1956.
28. Henriksson J, Reitman JS. Time course of changes in human skeletal muscle succinate dehydrogenase and cytochrome oxidase activities and maximal oxygen uptake with physical activity and inactivity. Acta Physiol Scand, 99:91-97;1997.
29. Astrand PO, Rodhal K . Tratado de fisiologia do exercício.2ªed. Rio de Janeiro, Interamericana,1980.p.378.
30. Hornig B, Maier V, Drexler H. Physical training improve endothelial function in patients with chronic heart failure. Circulation,93:210-14;1996.

IMeN - Instituto de Metabolismo e Nutrição
Rua Abílio Soares, 233 cj 53 • São Paulo • SP • Fone: (11) 95145-7335 3253-2966 WhatsApp: (11) 3287-1800 • administracao@nutricaoclinica.com.br